Tarde de sábado, um sol escaldante sobre
as ruas e calçadas, mais ou menos meio dia e meia, um senhor, aparentemente
reciclador de materiais caminha pela Rua Nova, olhando em todas as lixeiras em
busca de algo que lhe seja de valor para poder vender ao final do dia e assim
levar para casa o sustento. Paro ao lado dele com algumas moedas que peguei de
troco numa casa lotérica e lhe ofereço, sei lá, para matar a fome até que o
longo dia termine. Com uma educação de impressionar ele me aponta uma pessoa sentada
no começo da rua, com uma criança no colo pedindo ajuda para comprar algo para
comer e também para a criança se alimentar. Confesso que na hora estranhei a
atitude, mas ele me explicou: - Eu estou trabalhando, desde às 5:00 da manhã eu
estou “garimpando” coisas boas, coisas que as pessoas descartam e que mais
tarde irei vender e assim poder levar o que comer para mim, minha esposa e meus
filhos, e com a graça de Deus tem dado certo nos últimos quatro anos. Tenho conseguido
pagar o aluguel, água, luz, um telefone celular e internet para os meninos
poderem continuar estudando desse jeito novo. Não passamos grandes
necessidades, não temos luxo, mas para o arroz, feijão, ovo e uma carninha de
vez em quando até tem. Perguntei como era a vida, se a família se queixava da
quase pobreza, sorrindo ele me diz que não, aos domingos os meninos é que saem
para o “garimpo”, eles dizem que eu preciso descansar, preciso me refazer para
a luta da semana inteira. Tenho aceitado a ajuda, pois numa coisa eles têm
razão, estou cansado mesmo. Mas Deus é grande e um dia desses tudo vai
melhorar, tenho uma casa simples, não conseguimos nenhum móvel de granfino, a
televisão ainda é de tubo, mas temos um lar. Temos um lugar para onde gostamos
de voltar depois de nossas tarefas diárias, um lugar onde sorrimos, brincamos e
mantemos a união e harmonia. Posso dizer que sou um homem realizado, meus
meninos estão quase formados e minha esposa cuida de nós e da casa com muito
carinho e dedicação. Posso não ter a vida que sonhei, mas tenho mais do que
preciso e mereço. Aquela pessoa ali está precisando muito mais de sua ajuda
financeira do que eu, mas mesmo assim lhe agradeço muito pela oferta e pela
conversa, muitas vezes sou ignorado como se fosse invisível aos olhos de todos,
o senhor me viu e tentou me auxiliar. Nesse momento nós dois percebemos que
havia uma pessoa ao nosso lado que tinha ouvido toda a nossa conversa, pediu
licença e entregou ao homem um envelope fechado e informou que iria fazer a
mesma coisa para a outra pessoa que estava sentada com a criança no começo da
rua. Pediu para aceitar, mas para não abrir ali na rua, para abrir em casa em
companhia da família. Fez isso me olhou e perguntou se poderia me dar um abraço
porque se não fosse por mim ele também teria ignorado o homem e o tratado como
invisível. Nos abraçamos, mesmo em tempo de pandemia, nunca tinha visto essa
pessoa, mas ele me conhecia, pois me disse Júlio Anselmo hoje você me deu uma
aula dignidade e acolhimento. Ambos seguiram seus caminhos o homem continuou “garimpando”
as lixeiras da rua e o outro parou perto da pessoa sentada com a criança,
entregou o envelope e foi embora. Eu, eu fiquei ali por uns 15 minutos chorando,
confesso que fiquei curioso quanto ao conteúdo dos envelopes, mas fiquei mais
ainda envergonhado das moedas que eu quis oferecer.
J.C.A.