Existem canções que verdadeiramente mexem com a vida da gente, seja o que for que estejamos fazendo, paramos, largamos tudo e vamos ouvir a música que marcou ou irá marcar algum momento inesquecível de nossa humilde existência.
Você que está lendo agora, tem a sua, eu tenho a minha e as pessoas com quem convivemos todos os dias também têm a delas. Mas porque é que estou dizendo isso, escrevendo sobre isso, levantando essa hipótese de tema? Hoje de madrugada, estava assistindo a um filme na televisão, pois perdi o sono, nada de superprodução, aliás, como tudo o que as emissoras colocam na madrugada, comecei a me distrair mais com o controle remoto do que com a programação, e, num determinado canal me deparei com a cantora Maria Bethânia interpretando “Sonho impossível”, cantava, como sempre, de modo impecável, afinação perfeita, dicção irreparável e mais do que tudo emoção, Bethânia consegue fazer de uma cantiga de roda um clássico da música para ser ouvido em grandes teatros no mais absoluto silêncio. Foi nesse clima que larguei o controle remoto, minha busca havia terminado, por alguns instantes fiquei admirando a intérprete e a letra de Chico Buarque. Como tudo o que é bom dura pouco e não dá audiência, o espetáculo da música popular brasileira se encerrou e decidi, guardar na mente e na alma aquele feliz encontro, desliguei a televisão, sentei-me na cama e comecei a pensar no dia do enterro de Tancredo Neves. Voltei no tempo embalado pela voz de Bethânia e a poesia do Chico, me lembrei que todas as emissoras mostravam o acontecimento, eram dezenas de profissionais de imprensa mostrando cada detalhe daquela morte lenta, onde o Brasil agonizou juntamente com o recente civil eleito depois de tantos anos de repressão e ditadura militar. Lembrei que naquele dia, a exemplo desta madrugada sem sono eu também me distraía com o controle remoto e num determinado momento parei por causa dessa mesma canção. O brasileiro é de uma sensibilidade, às vezes, assustadora. Morria o primeiro presidente civil eleito em vinte anos e o tema escolhido para acalentar os espectadores era uma composição, aliás, versão feita por um dos homens mais perseguidos pelos militares, justiça poética. O fato é que com estas lembranças e embalado por Chico e Bethânia fui adormecendo e pensando, pensando, pensando em como uma música pode nos fazer viajar…
Sonhar mais um sonho impossível, lutar quando é fácil ceder, vencer o inimigo invencível…
E acordei acreditando que o mundo ainda verá uma flor brotar do impossível chão.
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