Este fim de semana foi a comemoração do centenário de minha avó paterna. Lúcida, hígida fisicamente, a mesma vivacidade de um lindo filme, apenas agora, exibido em câmera lenta.
Teria muitas coisas pra contar destes dois dias de festejo. Muitas emoções. Muito também pra contar sobre ela, sua vida. Mas escolhi uma passagem, entre tantas que vivemos. Uma que me marcou de forma indelével e que resume bem o legado que ela me deixará para sempre.
Até dez anos atrás, um pouco menos, minha avó passava de um a dois meses na capital das Alterosas conosco, a família de seu filho mais velho, o único de dez filhos, que mora pelas bandas de cá. Eu adorava estas temporadas. Carinhos de avó são muito bom e sou viciada neles.
E nessas ocasiões sempre gostávamos de passear. Eu já me programava para isto. Naquele ano planejei que iria levá-la para conhecer Congonhas do Campo ( onde estão os profetas de Aleijadinho) e Ouro Preto). Saímos bem cedinho, com o alvorecer, e rumamos para Congonhas. Ela viu tudo com o interesse de quem vê pela primeira vez. Fomos a algumas igrejas, lanchamos e rumamos para Ouro Preto. Que felicidade! Ela perto dos noventa, e adorando as novas descobertas. Contratamos um guia mirim, que nos explicava cada igreja, cada detalhe, ela com ares de criança no paraíso, sempre atenta, recheando as informações do menino com outras, buscadas nos seus arquivos pessoais.
Assim o dia transcorreu rapidamente. Era um mês de outubro. Horário de verão. Lá pelas cinco, ainda havia bastante sol. A alegria dela era tanta que pensei em levá-la a Mariana antes de retornarmos. Afinal as duas cidades são bem coladinhas e se nos apressássemos ainda haveria tempo de chegarmos em casa antes de anoitecer.
- vovó, você quer ir a Mariana, ainda dá conta ou já está muito cansada? Daríamos uma volta na cidade, e te mostraria a Igreja Matriz e o coreto da praça....
Confesso. Ao mesmo tempo em que dizia isto um pensamento triste me passou pela cabeça. Talvez no próximo ano ela já não esteja mais aqui para conhecer Mariana. Um pensamento silencioso e triste que veio me visitar naquele fim de tarde. E foi então que minha avó me deu a resposta, firme, precisa:
- Bem, se você quiser minha neta, eu gostaria. Assim, no ano que vem podemos ir para outras paragens, este lado estará todo visto.
Das centenas de lembranças que tenho de minha avó, esta é a mais significativa e a mais reveladora da pessoa que ela é. De tudo que aprendi e aprendo com ela, a mais bonita e preciosa lição, revelada nesta passagem: viver cada dia como se fosse o último, mas também como se fosse simplesmente mais um dia dentro da eternidade.
Deste dia a hoje já se passaram mais de dez anos. Fizemos ainda outras viagens, tivemos muitos outros dias juntas. Não me lembro como esta fase de suas vindas anuais terminou. Sei que foi lenta e imperceptivelmente.“Como a noite que amanhece sem que a gente saiba exatamente como aconteceu”.
Desta vez, despedi-me dela com alegria. Não me entristeci pensando que, naturalmente, uma hora ela irá partir numa viagem definitiva. Que importa isto se não sei quando, onde e como será.
Ela me ensinou que, na verdade, isto não deve mesmo importar. Não para quem vive as penas e as alegrias de cada dia. Acreditando, bem no fundo do coração, que o melhor, ainda e sempre, está por vir.
Não sei de quem é a história, mas quem não gostaria de vivê-la?
JCA
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